Quem é Jesus? (3): Eu quero ver Deus.

(…) A fé é conhecimento ligado ao transcorrer do tempo que a palavra necessita para ser explicitada: é conhecimento que só se aprende num percurso de seguimento. A escuta ajuda a identificar bem o nexo entre conhecimento e amor.

(…) O Antigo Testamento combinou os dois tipos de conhecimento, unindo a escuta da Palavra de Deus com o desejo de ver o Seu rosto. Isto tornou possível entabular diálogo com a cultura helenista, um diálogo que pertence ao coração da Escritura. O ouvido atesta não só a chamada pessoal e a obediência, mas também que a verdade se revela no tempo; a vista, por sua vez, oferece a visão plena de todo o percurso, permitindo situar-nos no grande projeto de Deus; sem tal visão, disporíamos apenas de fragmentos isolados de um todo desconhecido.

A conexão entre o ver e o ouvir, como órgãos do conhecimento da fé, aparece com a máxima clareza no Evangelho de João, onde acreditar é simultaneamente ouvir e ver. A escuta da fé verifica-se segundo a forma de conhecimento própria do amor: é uma escuta pessoal, que distingue e reconhece a voz do Bom Pastor (cf. Jo 10, 3-5); uma escuta que requer o seguimento, como acontece com os primeiros discípulos que, «ouvindo [João Baptista] falar desta maneira, seguiram Jesus» (Jo 1, 37). Por outro lado, a fé está ligada também com a visão: umas vezes, a visão dos sinais de Jesus precede a fé, como sucede com os judeus que, depois da ressurreição de Lázaro, «ao verem o que Jesus fez, creram n’Ele» (Jo 11, 45); outras vezes, é a fé que leva a uma visão mais profunda: «Se acreditares, verás a glória de Deus» (Jo 11, 40). Por fim, acreditar e ver cruzam-se: «Quem crê em Mim (…) crê n’Aquele que Me enviou; e quem Me vê a Mim, vê Aquele que me enviou» (Jo 12, 44-45). O ver, graças à sua união com o ouvir, torna-se seguimento de Cristo; e a fé aparece como um caminho do olhar em que os olhos se habituam a ver em profundidade. E assim, na manhã de Páscoa, de João — que, ainda na escuridão perante o túmulo vazio, «viu e começou a crer» (Jo 20, 8) — passa-se a Maria Madalena — que já vê Jesus (cf. Jo 20, 14) e quer retê-Lo, mas é convidada a contemplá-Lo no seu caminho para o Pai — até à plena confissão da própria Madalena diante dos discípulos: «Vi o Senhor!» ( Jo 20, 18).

Como se chega a esta síntese entre o ouvir e o ver? A partir da pessoa concreta de Jesus, que Se vê e escuta. Ele é a Palavra que Se fez carne e cuja glória contemplamos (cf. Jo 1, 14). A luz da fé é a luz de um Rosto, no qual se vê o Pai. De facto, no quarto Evangelho, a verdade que a fé apreende é a manifestação do Pai no Filho, na Sua carne e nas Suas obras terrenas; verdade essa, que se pode definir como a «vida luminosa» de Jesus. Isto significa que o conhecimento da fé não nos convida a olhar uma verdade puramente interior; a verdade que a fé nos descerra é uma verdade centrada no encontro com Cristo, na contemplação da Sua vida, na percepção da Sua presença. Neste sentido e a propósito da visão corpórea do Ressuscitado, São Tomás de Aquino fala de oculata fides (uma fé que vê) dos Apóstolos [S.Th. III, q. 55, a. 2, ad 1]: viram Jesus ressuscitado com os seus olhos e acreditaram, isto é, puderam penetrar na profundidade daquilo que viam para confessar o Filho de Deus, sentado à direita do Pai.

Virgem, Mãe da nossa fé,
ensinai-nos a ver com os olhos de Jesus,
para que Ele seja luz no nosso caminho.

(Papa Bento XVI + Papa Francisco, Carta Encíclica Lumen Fidei, 29 de Junho de 2013, ns. 29-30,60.)

Quem é Jesus? (2): Cristo e as Escrituras.

A fé não se refere simplesmente a um livro, que como tal seria a única e última instância para o crente. No centro da fé cristã não se encontra um livro, mas uma pessoa Jesus Cristo, que é Ele mesmo (o Verbo) a Palavra viva de Deus e fez-se conhecer, por assim dizer, na palavra da Escritura, mas que por sua vez pode ser compreendida retamente sempre e só na vida com Ele, na relação viva com Ele. E visto que Cristo edificou e edifica a Igreja, o povo de Deus, como Seu organismo vivo, o Seu “corpo”, é essencial para a relação com Ele a participação do povo peregrino, que é o verdadeiro e próprio autor humano e ao qual a Bíblia é confiada como seu tesouro próprio (…). Se Cristo vivo é a verdadeira e própria norma da interpretação da Bíblia, isto significa que compreendemos retamente este livro unicamente na comum compreensão crente [communal believing understanding] (…) de toda a Igreja. Fora deste contexto vital a Bíblia é apenas um recolho literário mais ou menos heterogêneo, e não a indicação de um caminho para a nossa vida. (…) O Catecismo realça este vínculo, no qual está incluída também a autoridade interpretativa da Igreja, como testemunha expressamente a segunda Carta de Pedro:  “Sede conscientes, em primeiro lugar, do que segue:  nenhuma escritura profética está sujeita a uma explicação privada…” (1, 20).

(Cardeal Joseph Ratzinger, Discurso no Congresso Catequético Internacional, aos 8 de Outubro de 2002.)

Quem é Jesus? (1)

A quem O censurava de Se sentir maior do que Abraão, por ter prometido a superação da morte a quantos observam a Sua palavra, Ele responde: «O vosso pai Abraão exultou com a ideia de ver o Meu dia; viu-o e rejubilou». Abraão estava, pois, orientado para a vinda de Cristo. Segundo o desígnio divino, a alegria de Abraão pelo nascimento de Isaac e pelo seu renascimento depois do sacrifício, era uma alegria messiânica: anunciava e prefigurava a alegria definitiva que haveria de ser oferecida pelo Salvador.

(S. João Paulo II, Audiência do 3 de Dezembro de 1997.)

Quem observa a minha palavra nunca mais verá a morte. Estas palavras indicam, ao mesmo tempo, o que é o Evangelho. É o livro da vida eterna, para onde se dirigem os inumeráveis caminhos do terreno peregrinar do homem. Cada um de nós avança por um desses caminhos. O Evangelho elucida-nos sobre todos eles. E é nisto que precisamente consiste o mistério deste livro sagrado. Nasce daqui o facto de ele ser muito lido, e é daqui que provém a sua atualidade. A luz do Evangelho, a nossa vida adquire nova dimensão. Adquire o seu sentido definitivo. Por isso a própria vida se revela como uma passagem.

(S. João Paulo II, Homilia do 5 de Abril de 1979.)

«Em verdade, em verdade, vos digo: antes de Abraão existir, Eu Sou». A afirmação sublinha o contraste entre o tornar-se de Abraão e o ser de Jesus. O verbo «genésthai», usado no texto grego com referência a Abraão, significa de facto «tornar-se» ou «vir à existência»: é o verbo adequado para designar o modo de existir próprio das criaturas. Ao contrário, só Jesus pode dizer: «Eu Sou», indicando com esta expressão a plenitude do ser, que permanece acima de cada tornar-se. Assim, exprime a consciência de possuir um ser pessoal eterno. Aplicando a Si a expressão «Eu Sou», Jesus faz Seu o nome de Deus, revelado a Moisés no Êxodo.

(S. João Paulo II, Audiência do 26 de Novembro de 1997.)

Para vencer satanás.

Vindo ao mundo Ele doa-nos a sua alegria, como Ele mesmo confia aos seus discípulos: «Disse-vos essas coisas para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa» (Jo 15, 11). Jesus traz aos homens a salvação, uma nova relação com Deus que vence o mal e a morte, e traz a verdadeira alegria mediante esta presença do Senhor que vem iluminar o nosso caminho, que muitas vezes é oprimido pelas trevas e pelo egoísmo. E podemos ponderar se realmente estamos conscientes da presença do Senhor no meio de nós, que não é um Deus distante mas um Deus connosco, um Deus no meio de nós, que está connosco aqui na Sagrada Eucaristia, que está connosco na Igreja viva. E nós temos que ser portadores desta presença de Deus. E assim Deus alegra-se por nós e também nós podemos rejubilar: Deus existe, Deus é bom, Deus está próximo.

(Papa Bento XVI, Homilia do 16 de dezembro de 2012.)

No meio das provações da vida e sobretudo das contradições que o homem experimenta dentro de si e à sua volta, Maria, Mãe de Cristo, diz-nos que a Graça é maior que o pecado, que a misericórdia de Deus é mais poderosa que o mal e sabe transformá-lo em bem. Infelizmente todos os dias experimentamos o mal, que se manifesta de muitos modos nas relações e nos acontecimentos, mas que tem a sua raiz no coração do homem, um coração ferido, doente e incapaz de se curar sozinho. A Sagrada Escritura revela-nos que na origem de cada mal está a desobediência à vontade de Deus, e que a morte ganhou domínio porque a liberdade humana cedeu à tentação do Maligno. Mas Deus não falta ao seu desígnio de amor e de vida: através de um caminho de reconciliação longo e paciente preparou a aliança nova e eterna, selada no sangue do seu Filho, que para se oferecer a si mesmo em expiação «nasceu de mulher» (Gl 4, 4). Esta mulher, a Virgem Maria, beneficiou antecipadamente da morte redentora do seu Filho e desde a concepção foi preservada do contágio da culpa. Por isso, com o seu Coração imaculado, Ela diz-nos: confiai-vos a Jesus, Ele salvar-vos-á.

(Papa Bento XVI, Homilia na Solenidade da Imaculada Conceição, 8 de dezembro de 2010.)

Queridos amigos, que imensa alegria ter por mãe Maria Imaculada! Cada vez que experimentamos a nossa fragilidade e a sugestão do mal, podemos dirigir-nos a Ela, e o nosso coração recebe luz e conforto. Também nas provações da vida, nas tempestades que fazem vacilar a fé e a esperança, pensemos que somos seus filhos e que as raízes da nossa existência afundam na graça infinita de Deus. A própria Igreja, embora exposta às influências negativas do mundo, encontra sempre nela a estrela para se orientar e seguir a rota que lhe foi indicada por Cristo.

(Papa Bento XVI, Angelus na Solenidade da Imaculada Conceição, 8 de dezembro de 2009.)

A “lógica” da Cruz (2).

O cristianismo não é uma doutrina filosófica, nem um programa de vida para sermos bem educados, para fazermos as pazes. O cristianismo é uma pessoa, uma pessoa elevada na cruz. Uma pessoa que se aniquilou a si mesma para nos salvar. E assim como no deserto foi erigido o pecado, aqui foi elevado Deus feito homem por nós. Por esta razão não se compreende o cristianismo sem entender esta humilhação profunda do filho de Deus que se humilhou a si mesmo tornando-se servo até à morte de cruz. Para servir.

Portanto, o coração da salvação de Deus é o seu filho que tomou sobre si todos os nossos pecados, as nossas soberbas, certezas, vaidades e os nossos desejos de nos tornarmos como Deus. O cristão que não sabe gloriar-se em Cristo crucificado, não compreendeu o que significa ser cristão. As nossas chagas, que o pecado deixa em nós, não podem ser curadas só com as chagas do Senhor, com as chagas de Deus feito homem, humilhado, aniquilado. Este é o mistério da cruz. Não é só uma ornamentação que devemos pôr nas igrejas, nos altares; não é apenas um símbolo que nos deve distinguir dos outros. A cruz é um mistério: o mistério do amor de Deus que se humilha, que se aniquila para nos salvar dos nossos pecados.

Onde está o teu pecado?… O teu pecado está ali na cruz. Vai procurá-lo ali nas chagas do Senhor, e o teu pecado será curado, as tuas chagas serão curadas, o teu pecado será perdoado. O perdão que Deus nos concede não significa liquidar uma conta que temos com Ele. O perdão que nos concede são as chagas do seu filho, elevado na cruz. E o seu desejo final é que o Senhor nos atraia e que nos deixemos curar.

(Papa Francisco, Homilia matutina da terça-feira, 8 de Abril de 2014.)

A “lógica” da Cruz.

Onde está Cristo devem encontrar-se também os seus discípulos, que são chamados a segui-l’O, a ser solidários com Ele no momento do combate, para serem co-partícipes da sua vitória.

Em que consiste a nossa associação à sua missão, explica-o o próprio Senhor. Falando da sua próxima morte gloriosa, Ele usa uma imagem simples e ao mesmo tempo sugestiva:  “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá ele só; mas se morrer, produzirá muito fruto” (Jo 12, 24). Compara-se a si mesmo com um “grão de trigo que se desfaz, para produzir muito fruto para todos”, segundo uma eficaz expressão de Santo Atanásio; e só mediante a morte, a cruz, Cristo produz muito fruto por todos os séculos. De facto, não era suficiente que o Filho de Deus tivesse encarnado. Para levar a cumprimento o plano divino da salvação universal, era preciso que Ele morresse e fosse sepultado:  só assim toda a realidade humana teria sido aceite e, mediante a sua morte e ressurreição ter-se-ia manifestado o triunfo da Vida, o triunfo do Amor; ter-se-ia demonstrado que o amor é mais forte do que a morte.

Contudo, o homem Jesus –  que era um verdadeiro homem, com os nossos mesmos sentimentos – sentia o peso da prova e a tristeza amarga pelo trágico fim que O aguardava. Precisamente sendo homem-Deus, experimentava ainda mais o terror face ao abismo do pecado humano e de quanto há de impuro na humanidade, que Ele devia levar consigo e consumir no fogo do seu amor. (…) Mas, do mesmo modo não falta a sua adesão filial ao desígnio divino, porque precisamente por isso sabe que chegou a sua hora, e reza com confiança:  “Pai, glorifica o teu nome” (Jo 12, 28). Com isso Ele quis dizer:  “Aceito a cruz” –  na qual se glorifica o nome de Deus, isto é, a grandeza do seu amor.

Queridos irmãos e irmãs, este é o caminho exigente da cruz que Jesus indica a todos os seus discípulos. Várias vezes disse:  “Se alguém quiser servir-me, siga-Me”. Não há alternativa para o cristão que quiser realizar a própria vocação. É a “lei” da Cruz descrita com a imagem do grão de trigo que morre para germinar a vida nova; é a “lógica” da Cruz recordada também no Evangelho de hoje. (…) Não existe outro caminho para experimentar a alegria e a verdadeira fecundidade do Amor:  o caminho do dar-se, do doar-se, do perder-se para se encontrar.

(Papa Bento XVI, Homilia no V Domingo de Quaresma, 29 de Março de 2009.)

Risco do “fazer por fazer”.

Muitos baptizados, influenciados por numerosas propostas de pensamento e de costumes, são indiferentes aos valores do Evangelho e inclusivamente vêem-se obrigados a comportamentos contrários à visão cristã da vida, o que dificulta a pertença a uma comunidade eclesial. Mesmo confessando-se católicos, vivem de facto afastados da fé, abandonando as práticas religiosas e perdendo progressivamente a própria identidade de crentes, com consequências morais e espirituais de diversa índole. Este desafio pastoral estimulou-vos, queridos Irmãos, a procurar soluções não só para assinalar os erros que tais propostas contêm e defender os conteúdos da fé, mas sobretudo, para propor a riqueza transcendental do cristianismo como acontecimento que dá um verdadeiro sentido à vida e uma capacidade de diálogo, escuta e colaboração com todos.

Mas é muito importante que tudo o que com a ajuda de Deus nos propusermos, esteja profundamente radicado na contemplação e na oração. O nosso tempo é vivido em contínuo movimento, que muitas vezes chega à agitação, caindo-se facilmente no risco de “fazer por fazer”.

(Papa Bento XVI, Discurso aos Bispos do México, 15 de Setembro de 2005.)

Ouvir Cristo é um caminho de Fé.

“Este é o meu Filho muito amado. Escutai-O!” (Mc 9, 7).

Quando se tem a graça de fazer uma forte experiência de Deus, é como se se vivesse algo de análogo àquilo que aconteceu com os discípulos, durante a Transfiguração: por um momento, saboreia-se algo daquilo que constituirá a bem-aventurança do Paraíso. Em geral, trata-se de experiências breves, que por vezes Deus concede, de maneira especial em vista de árduas provações. Porém, a ninguém é dado viver “no Tabor” enquanto estiver nesta terra. Com efeito, a existência humana é um caminho de Fé e, como tal, progride mais na penumbra que na plena luz, não sem momentos de obscuridade e até de total escuridão. Enquanto estamos aqui em baixo, o nosso relacionamento com Deus realiza-se mais na escuta do que na visão; e a própria contemplação tem lugar, por assim dizer, de olhos fechados, graças à luz interior acesa em nós pela Palavra de Deus.

(Papa Bento XVI, Angelus do II Domingo de Quaresma, 12 de Março de 2006.)

“Como chegar a uma fé viva, a uma fé realmente católica, a uma fé concreta, vivaz, eficiente?”. A fé, em última análise, é um dom. Por conseguinte, a primeira condição é aceitar algum dom, não ser auto-suficiente, não fazer tudo sozinho, porque não podemos fazê-lo, mas devemos abrir-nos na certeza de que o Senhor doa realmente. Parece-me que este gesto de abertura é também o primeiro gesto da oração: abrir-se à presença do Senhor e ao seu dom. Este é também o primeiro passo para receber algo que nós não fazemos e que não podemos ter, se pretendemos fazê-lo sozinhos. Este gesto de abertura, de oração doai-me, Senhor, a fé! deve ser realizado com todo o nosso ser. Nós devemos entrar nesta disponibilidade de aceitar o dom e de nos deixarmos permear pelo dom no nosso pensamento, no nosso afeto, na nossa vontade.

(Papa Bento XVI, Encontro com o clero diocesano de Roma, 2 de março de 2006.)

Quem não dá Deus, dá demasiado pouco.

Também hoje o «olhar» compassivo de Cristo pousa incessantemente sobre os homens e os povos. Olha-os ciente de que o «projeto» divino prevê o seu chamamento à salvação. Jesus conhece as insídias que se levantam contra esse projeto, e tem compaixão das multidões: decide defendê-las dos lobos, mesmo à custa da sua própria vida. Com aquele olhar, Jesus abraça os indivíduos e as multidões e entrega-os todos ao Pai, oferecendo-Se a Si mesmo em sacrifício de expiação.

Iluminada por esta verdade pascal, a Igreja sabe que, para promover um desenvolvimento integral, é necessário que o nosso «olhar» sobre o homem seja idêntico ao de Cristo. De fato, não é possível de modo algum separar a resposta às necessidades materiais e sociais dos homens da satisfação das necessidades profundas do seu coração. (…) Por isso, a primeira contribuição que a Igreja oferece para o desenvolvimento do homem e dos povos não se consubstancia em meios materiais nem em soluções técnicas, mas no anúncio da verdade de Cristo que educa as consciências e ensina a autêntica dignidade da pessoa e do trabalho, promovendo a formação duma cultura que corresponda verdadeiramente a todas as exigências do homem.

(…) O jejum e a esmola, juntamente com a oração, que a Igreja propõe de modo especial no período da Quaresma, são uma ocasião propícia para nos conformarmos àquele «olhar». Os exemplos dos Santos e as múltiplas experiências missionárias que caracterizam a história da Igreja constituem indicações preciosas quanto ao melhor modo de apoiar o desenvolvimento. (…) Quem age segundo esta lógica evangélica, vive a fé como amizade com o Deus encarnado e, como Ele, provê às necessidades materiais e espirituais do próximo. Olha-o como mistério incomensurável, digno de infinito cuidado e atenção. Sabe que, quem não dá Deus, dá demasiado pouco; como dizia frequentemente a Beata Teresa de Calcutá, a primeira pobreza dos povos é não conhecer Cristo. Por isso, é preciso levar a encontrar Deus no rosto misericordioso de Cristo: sem esta perspectiva, uma civilização não é construída sobre bases sólidas.

(Papa Bento XVI, Mensagem para a Quaresma de 2006, 29 de setembro de 2005.)

O Mistério da oração de Jesus (2): Sentire cum Christo.

Tentemos lançar um olhar sobre o interior de Jesus. Ele é Deus, aquele que reza é Deus, “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). Quando o apóstolo Filipe pede: “Senhor, mostra-nos o Pai”, Jesus responderá: “Filipe, como, depois de todo esse tempo que estou com vocês, você me ainda diz: Mostra-nos o Pai! Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9). Ele é o Filho Eterno, o Filho Único gerado Pai antes de todos os séculos (CIC 242), Deus como o Pai. A divindade do Pai é divindade de Deus que se dá, que se doa; a divindade do Filho é divindade de Deus que a recebe. O Pai não nada de particular que O distinga do Filho, senão o fato de comunicar todo Seu Ser, toda Sua divindade, ao Filho, que não tem nada de particular que O distinga do Pai, senão o fato de receber toda essa mesma divindade. Paternidade e filiação são nomes de relações, não nomes de essências. A mesma essência, a mesma natureza, a mesma substância é comum a um como doador, e ao outro como receptor.

(Cardeal Charles Journet (1891-1975), in “Entretiens sur la prière”, Ed. Parole et Silence, 2006, pág. 33-34. Grifos do autor. Tradução nossa.)